ATUAÇÃO DE EQUIPES DE SAÚDE NA GESTÃO DE RISCOS DE DESASTRES
RESUMO
Objetivo:
conhecer as percepções dos profissionais de equipes de atenção primária à saúde e de atenção psicossocial quanto a atuação frente aos impactos psicossociais pós-desastres naturais hidrológicos no sul do Brasil.
Método:
abordagem qualitativa, tipo estudo de múltiplos casos, descritivo e integrado. Participaram profissionais e gestores da Atenção Primária à Saúde e da Atenção Psicossocial de municípios do Sul do Brasil. Coleta de dados durante execução de projeto financiado, com entrevistas narrativas entre janeiro e maio de 2018. Análise dos dados seguiu etapas do método de Fritz Schütze.
Resultados:
a interpretação das narrativas dos casos e suas unidades de análise, compuseram as categorias: 1) Atuação das equipes de saúde nos desastres e 2) Significados culturais e capacitação à redução de riscos e desastres. Foram identificadas demandas de atenção pré-inundação; demandas durante o evento do desastre; e demandas após inundação: cuidado na atenção psicossocial e vigilância do território.
Conclusão:
o estudo identificou ações percebidas por profissionais de equipes de saúde e de gestores municipais com relação aos desastres em um contexto de recorrentes eventos. Embora reconheçam aspectos culturais para a resposta resiliente, há lacunas operacionais e de capacitação para que a gestão do plano de resposta e de recuperação seja efetiva em nível de comunidade.
DESCRITORES:
Desastres; Impacto de desastres; Impacto psicossocial; Gestão de Riscos; Atenção Primária à Saúde; Serviços de Saúde Mental
ABSTRACT
Objective:
to understand the perceptions of Primary Health Care and Psychosocial Care professionals regarding their role in addressing the psychosocial impacts following hydrological natural disasters in southern Brazil.
Method:
a multiple-case, descriptive and integrated study with a qualitative approach. The participants were professionals and managers from Primary Health Care and Psychosocial Care in municipalities from southern Brazil. Data collection was carried out during the conduction of a funded project, including narrative interviews between January and May 2018. Data analysis followed the stages of Fritz Schütze’s method.
Results:
interpretation of the narratives of the cases and their units of analysis comprised the following categories: 1) Health teams’ performance in disasters; and 2) Cultural meanings and training for risk and disaster reduction. Demands for pre-flooding care, demands during the disaster event, and post-flooding demands: care in psychosocial support and territory surveillance were identified.
Conclusion:
the study identified actions perceived by health team professionals and municipal managers regarding disasters in a context of recurrent events. While recognizing cultural aspects for a resilient response, there are operational and training gaps for an effective management of the response and recovery plan at the community level.
DESCRIPTORS:
Disasters; Impact of disasters; Psychosocial impact; Risk management; Primary Health Care; Mental health services
RESUMEN
Objetivo:
conocer las percepciones de los profesionales de equipos de Atención Primaria de la Salud y de Atención Psicosocial con respecto a su desempeño frente a los efectos psicosociales posteriores a desastres naturales hidrológicos en el sur do Brasil.
Métodos:
estudio de casos múltiples, descriptivo, integrado y con enfoque cualitativo. Los participantes fueron profesionales y gerentes de Atención Primaria de la Salud y de Atención Psicosocial de municipios del sur de Brasil. Los datos se recolectaron mientras se ejecutaba un proyecto financiado, por medio de entrevistas narrativas entre enero y mayo de 2018. El análisis de datos siguió las etapas del método de Fritz Schütze.
Resultados:
la interpretación de las narrativas de los casos y sus unidades de análisis dieron lugar a las siguientes categorías: 1) Desempeño de los equipos de salud en los desastres; y 2) Significados culturales y capacitación para reducir riesgos y desastres. Se identificaron requerimientos de atención previos a una inundación; al igual que requerimientos durante el desastre, y posteriores a una inundación: cuidado en la atención psicosocial y vigilancia del territorio.
Conclusión:
el estudio identificó acciones percibidas por profesionales de equipos de salud y gerentes municipales en relación con los desastres en un contexto de eventos recurrentes. Aunque reconocen aspectos culturales para ofrecer una respuesta resiliente, se evidencian brechas operativas y de capacitación para que la administración del plan de respuesta y recuperación sea efectiva al nivel de la comunidad.
DESCRIPTORES:
Desastres; Efecto de los
desastres; Efecto psicosocial; Gestión de riesgos; Atención Primaria de
la Salud; Servicios de salud mental
INTRODUÇÃO
Desastres naturais são eventos imprevisíveis e extremos que acontecem na natureza, tais como terremotos, tsunamis, furacões, tornados, tempestades, secas e inundações. Os desastres hidrológicos, especialmente, caracterizam-se pelo transbordamento de rios, lagos, represas, ou por chuvas intensas, resultando no acúmulo excessivo de água em uma determinada área, causando a inundação de ruas, casas, prédios e outras construções. Pode provocar danos e perdas humanas significativos, afetando a vida e as atividades das pessoas que vivem nas áreas afetadas1. Há registros de inundações históricas com desfechos graves muldialmente e, no Brasil, especificamente na região sul, os eventos hidrológicos marcam impactos psicossociais recorrentes à saúde da população, tornando-se uma demanda emergente ao sistema de saúde2–3.
Mundialmente, a referência do Marco de Sendai 2015-2030, alinha as ações de Estratégia Internacional de Redução do Risco de Desastre (EIRD), para as quais, a finalidade pertinente às pesquisas de universidades e na formulação e avaliação de políticas por grupos de discussões intersetoriais transcende o alcance das metas que envolvem a sociedade, inclusive para mitigar impactos no setor saúde4–5.
Estudos anteriores6–8 enfatizam que sistemas de saúde respondem melhor às crises por desastres, quando integrante na gestão do planejamento desde a prevenção até a recuperação, com atuação de competência multiprofissional e estratégia intersetorial, na emergência dos riscos e aos impactos subjacentes às vulnerabilidades pré-existentes na população. A Atenção Primária à Saúde estabelece participação fundamental na mobilização dos recursos estruturais, comunicacionais e culturais ao gerenciamento de planos diretamente ligados às comunidades9.
O objetivo desta pesquisa foi conhecer as percepções dos profissionais de equipes de atenção primária à saúde e de atenção psicossocial quanto a atuação frente aos impactos psicossociais nas famílias, pós-desastres hidrológicos no sul do Brasil.
MÉTODO
Pesquisa qualitativa do tipo estudo de múltiplos casos, descritivo e integrado10–11. Os casos estudados foram três municípios do Sul do Brasil, identificados como: 1 – Itajaí, 2 – Rio do Sul e 3 – Blumenau. O estudo foi realizado em serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), sendo as unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), nas modalidades de CAPS adulto I, II, Álcool e Drogas (CAPS Ad) e Infantojuvenil (CAPSi). Foram incluídos como unidades de análise dos casos todos os CAPS das redes municipais. Em Rio do Sul foram cinco equipes de Estratégia Saúde da Família (ESFs), um CAPS II e os profissinais que compõem a Gestão de Atenção Primária. Em Itajaí foram quatro ESFs, três CAPS (II, Ad e infantil), e os profissionais que compõem a Gestão da Atenção Primária de Saúde e Coordenação de Saúde Mental. No município de Blumenau foram quatro ESFs, quatro CAPS (II, III, Ad e infantil), os profissionais que compõem a Gestão de Atenção Primária, Saúde do Trabalhador e Coordenação Municipal de Saúde Mental.
Os participantes das equipes atuavam em territórios mapeados pela Defesa Civil como áreas de risco ou com histórico de desastres geológico (deslizamento de massa) e/ou hidrológico (inundações e enxurradas). Participaram da pesquisa profissionais da saúde, Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) e gestores dos municípios. Em Rio do Sul foram 24 entrevistados dos serviços e dois gestores de saúde. Em Itajaí, foram 41 entrevistados dos serviços e dois gestores de saúde. No município de Blumenau, foram 37 entrevistados dos serviços e três gestores de saúde. Em sua maioria, os participantes da pesquisa atuavam como ACSs, seguido de enfermeiros, técnicos em enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, educador físico e médico. A idade dos participantes foi entre 25 e 45 anos de idade, eram concursados e a maior parte deles com mais de 10 anos de formados na sua profissão. Além disso, apresentavam experiência de 5 a 10 anos de trabalho nos respectivos serviços.
O trabalho de campo aconteceu o período de vigência do projeto de pesquisa financiado pelo Edital FAPESC/PPSUS-MS de 2016-2020, com execução da coleta de dados no período de janeiro a maio de 2018.
A coleta dos dados com entrevistas narrativas12 individuais e coletivas, conforme disponibilidade das equipes ou de momento de reunião em serviço. O material áudio gravado foi transcrito e armazenado em documento digital. Também se obteve registros complementares de observação dos cenários, documentos, imagens, espontaneamente indicados nas narrativas, durante os encontros com os entrevistados (por exemplo, marcas da enchente ou estragos de infraestrutura nos estabelecimentos, mapas de território, documentos de planos). Usou-se de questão motivadora da entrevista: o que você pode me contar sobre suas experiências de cuidado psicossocial às famílias no seu trabalho, considerando o contexto dos desastres? Ainda, questões de aprofundamento, integradas ao objetivo do estudo, ao final das entrevistas.
As narrativas foram analisadas seguindo o método de Fritz Schütze13, nas etapas: análise formal do texto; descrição estrutural do conteúdo; abstração analítica; análise do conhecimento e comparação contrativa, dos quais emergiram duas categorias de significados: 1) Atuação das equipes de saúde nos desastres e 2) Significados culturais e capacitação à redução de riscos e desastres. Os registros complementares de observação agregaram o contexto dos casos, dos quais as narrativas transcritas foram interpretadas. As narrativas dos entrevistados foram identificadas pela sigla referente à profissão ou função no serviço e seguida por código de área de atuação: APS (Atenção Primária à Saúde) ou PS (Atenção Psicossocial). A discussão dos resultados foi realizada com base na literatura sobre a temática.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, com base na Resolução no 466/12.
RESULTADOS
Atuação das equipes de saúde nos desastres
As narrativas revelaram ações das equipes de saúde realizadas em distintos momentos do ciclo dos desastres, nas ocorrências dos anos de 2008 e de 2011. Na menção da maioria dos entrevistados não há clareza sobre a existência de um plano de resposta nos respectivos municípios de atuação. Ainda que as ocorrências na região sejam frequentes, sentem-se despreparados em logística e planejamento para responder aos desastres. Reconhecem avanços na comunicação de alertas e na divulgação de informações nos meios de comunicação aberta e institucional, o que propicia agir com antecedência.
Hoje não existe protocolo que direciona. Eu não tenho conhecimento se tem esse plano, mas, também eu estou fora da ponta já faz um ano. Então, eu não tenho mais conhecimento de toda a gestão na supervisão de estratégia […] (Coord_AP_2).
[…] o que eu percebi é que a Defesa Civil deu um salto, hoje em dia eles dão os alertas que estão no site da prefeitura. Hoje funciona muito melhor. Fazem um cadastro de funcionários que podem se colocar à disposição e organização de espaço (ASS_PS_2).
Antes da iminência da enchente, coordenadores de equipes e gestores de saúde municipais, reúnem-se para tomadas de decisão sobre a manutenção dos atendimentos nos serviços de saúde, ou estratégias de cuidado dos usuários.
Uma preocupação unânime das equipes em territórios de risco é prover ações que previnam perdas patrimoniais dos estabelecimentos, orientem a evacuação do local e informem a população sobre as alterações ou a interrupção dos atendimentos. Para tais medidas, fundamentam-se o conhecimento sobre os riscos e a comunicação operativa, aliada à articulação da gestão de saúde municipal e da defesa civil.
O plano de contingência orienta as ações ao nível de gestão que já tem definido os serviços que vão funcionar e como eles devem ser acionados. Depois de 2013 foi estruturada a mídia de comunicação facilitada com uma central de comunicação da prefeitura que centraliza tudo. Então, a gente informa a eles sobre as unidades que ficam fechadas, os motivos, inclusive tem o aplicativo alerta Blu. Ano passado abriram um Abrigo, se você fosse olhar no app estava lá: abriu o abrigo tal, em local tal, abre o mapa como acessar. Então, é bem interessante e que está acessível a qualquer cidadão (Diretora_de_Saúde_3).
As decisões a respeito de manutenção dos atendimentos nas unidades que não estão em áreas de risco para inundação, seguem orientações da gestão para estratégias de apoio, conforme a evolução do evento. Isso inclui a redistribuição de funcionários entre as unidades de saúde, a formação de equipes volantes e o deslocamento de equipes para outros prédios que passam a ser referenciados como pontos de atendimento durante o desastre (por exemplo, a Policlínica Municipal, Ambulatórios Gerais, Unidades de Saúde da Família e CAPS).
Em algumas das unidades, as ações de preparo pré-enchente envolveram a participação de usuários que, solidariamente, apoiaram as equipes a preparar a unidade de saúde para enfrentar o desastre.
Na enchente o CAPS Ad ficava numa área que pegava água. Os usuários nos ajudaram porque temos vários usuários que são moradores de rua, de dia eles ajudavam e a noite iam para os albergues (ENF_PS_3).
As equipes dos serviços, em território de risco de inundação, também se anteciparam com a iniciativa de remover móveis, recolher materiais médicos e eletrônicos das salas, os medicamentos da farmácia e preservar os prontuários.
Em todos os municípios, durante o evento das enchentes, as equipes de saúde mental estabeleceram ações estratégias e alternativas à dispensação das medicações controladas para os usuários em tratamento. O cuidado para estudar cada caso, considerando a situação dos usuários, cujo mapeamento prévio sobre locais de moradia e acesso aos serviços, colaborou na manutenção e uso seguro das medicações, minimizou o dano de desistência do tratamento e de elevar os riscos à saúde mental durante e pós-enchente. O respeito ao vínculo dos usuários com atividades terapêuticas motivou o cuidado de comunicar sobre a rotina durante o evento, mesmo com unidades interditadas.
Nas três enchentes a gente tentou mapear a área de risco e foi, enquanto tinha acesso, em algumas casas fez a remoção, garantiu que eles ficassem em lugar seguro na hora do desastre e deu continuidade da medicação, porque alguns saíram e não levaram a medicação (ASS_PS_2).
Pós retorno para casa, a gente tentou ajudar com doações, acontece que as pessoas mais pobres, mais vulneráveis, são mais atingidas e ajudou ainda mais as pessoas vindo para cá. Com os crônicos a gente tinha mais essa preocupação da medicação (ENF_PS_2).
[…] em vez de vir aqui para tomar, retirava aqui os medicamentos para uma semana, mas dependia de cada caso (TECN_ENF_ PS_3).
Os profissionais entrevistados que experienciaram os eventos de inundação nos anos de 2008 e 2011 perceberam que as ações de resposta foram mais ágeis, organizadas e efetivas, tendo em vista a antecedência do alerta da defesa civil. Neste sentido, os agentes comunitários de saúde, puderam levar a informação sobre o funcionamento dos serviços à comunidade e colaborar com o planejamento de cuidados da equipe a situações específicas. A comunidade com acesso às informações oficiais e os alertas via aplicativo, internet, canais de rádio e de televisão, responde mais organizada para o deslocamento pelas rotas seguras aos abrigos mapeados.
Hoje a gente sabe que tem uma organização melhor da Defesa Civil em relação a isso, os alertas são constantes, tem um site que está sempre alertando, tem também as mídias, as questões de WhatsApp, Facebook ajudam bastante porque alertam a população nesse sentido. O que a gente percebe é que, às vezes, se divulgam coisas que não são reais e acabam alardeando a população. E, acho que a gente está mais preparado para orientar a população num momento de muitas chuvas, o que elas devem fazer por precaução (Coord_AP_2).
Já existe uma percepção de que elas têm que ficar mais ligadas, por exemplo, as equipes ao lado da barragem ficam atentas aos boletins da Defesa Civil, a secretaria também. Isso existe na prática (ENF_AP_1).
Os enfermeiros, geralmente na função de coordenadores dos serviços, lideram as ações de preparo da unidade e de resposta aos alertas. Eles percebem que a interrupção dos atendimentos desorganiza as agendas médicas e interfere especialmente na farmácia, sala de procedimentos de enfermagem e na sala de vacinas.
A falta de definição e organização logística municipal revela a dificuldade de algumas equipes na iminência do desastre. Não saber para onde deslocar os equipamentos e móveis dos centros de saúde e lidar com a imprevisibilidade da rotina de trabalho durante o evento, somam estresse aos trabalhadores no contexto de atuação despreparado.
Como não havia uma coordenação central, o que eu fiz foi como moradora desta cidade, como cidadã que queria ajudar (ASS_PS_2).
A gente ficou assim sem saber o que fazer, eu lembro que liguei para a prefeitura e ninguém dava uma coordenada, daí soube de umas famílias que perderam tudo, aí nos reunimos e fomos para ajudar (ASS_PS_2).
Os entrevistados consideraram ação prioritária na fase pós-desastre, a limpeza das unidades, com a conferência de danos materiais. Revelam que concomitante a comunidade e, em algumas situações, os próprios profissionais das equipes estão resolvendo a limpeza e os danos de suas propriedades afetadas. Neste sentido, conta-se com o envolvimento voluntário de funcionários e usuários nesta tarefa solidária, marcada pela necessidade de se retornar à rotina normal dos serviços de saúde. Num cenário, por vezes, com riscos ambientais de acidente, os voluntários ajudam sem condições materiais e técnicas adequadas. Entendem que a limpeza e desinfecção pós-desastre deveria constar no planejamento, inclusive para prover equipamentos de proteção individual e produtos suficientes à retomada das atividades laborais na crise.
Nessa fase, portanto, a retomada do funcionamento dos serviços de saúde foi gradativa em cada contexto dos casos, dados os impactos no território e o número de funcionários atingidos para voltar ao trabalho; passados meses do desastre, a rotatividade de profissionais foi também percebida.
Nas comunidades mais afetadas, o fluxo de acesso a serviços de saúde foi adaptado à proximidade dos abrigos temporários. Os ACSs procediam com o cadastramento das famílias atingidas nas comunidades, de maneira a informar a prefeitura, e organizarem as demandas de assistência social, distribuição de donativos necessários à recuperação no pós-desastre.
No CAPS, a gente fez um tipo de mapeamento de onde estavam os pacientes, em que bairro moravam e qual abrigo eles estavam, até para ver sobre a medicação, se estavam tomando, se estavam bem no abrigo, o que aconteceu e tudo mais. Após os primeiros 15 dias, veio o atendimento às demandas devido ao estresse (ASS_PS_3).
A médio prazo da fase de recuperação pós-desastre, as equipes dedicaram-se em acolher e visitar as famílias nas comunidades atingidas, ofertando apoio multiprofissional e escuta para um cuidado psicossocial. As ações em longo prazo foram percebidas como desafiadoras e abrangentes, tendo em vista a necessidade (e fragilidade) na articulação intersetorial para ações de mitigação de impactos e de prevenção de futuros eventos. Um exemplo de atuação intersetorial que refletiu no plano de contingência municipal foi a colaboração entre saúde e defesa civil para realocação de famílias ribeirinhas em um território de risco.
Significados culturais e capacitação à redução de riscos e desastres
As narrativas dos entrevistados expressam significados atribuídos às ações, a partir das experiências diretas ou indiretas com situações de desastres. Ações facilitadores para a gestão e a redução de riscos e desastres como: acessar informação oficial, aguardar a comunicação entre as lideranças, conhecer os papéis dos órgãos oficiais, dos serviços de saúde e da população nas emergências, assim como, realizar as capacitações, treinamentos e simulados preparatórios, dispor de atitudes solidárias representam a cultura para desastres.
O conhecimento propiciado pelas capacitações sobre abordagem psicossocial em desastres e cuidados no estresse pós-traumático das comunidades afetadas, através de projetos da Secretaria do Estado da Saúde foi reconhecido como um marco importante ao enfrentamento das equipes na fase de recuperação pós-evento. A descontinuidade destas capacitações e a inclusão destes assuntos nos espaços de educação permanente municipal desmotivaram a iniciativa de práticas interventivas nos cenários a longo prazo.
Em 2013, já na gestão, tivemos junto com a Defesa Civil do estado um curso, no qual nós mobilizamos seis psicólogos para fazer isso; mobilizou para que trouxéssemos o curso de terapia comunitária para cá e então capacitamos em 70 profissionais. Não só voltado para essa situação, mas para desenvolver uma tecnologia que fosse mais abrangente para atingir o território que ampliasse as situações (Coord_AP_2).
Nos três casos estudados a sistemática de capacitações não se manteve como uma prática de cultura de gestão de riscos e desastres. Contudo, no pós-desastre mediato houveram espaços de trocas, por exemplo oportunizada pela Direção do setor de Saúde do Trabalhador; treinamento simulado em área de risco para Corpo de Bombeiros e Serviço Móvel de Urgência (SAMU).
[…] realizamos encontros dos trabalhadores na forma de oficinas continuadas, mas temos a ambição de que seja permanente. Nós vamos capacitando com rodas de conversa, oficinas, estamos evoluindo para algumas vivências terapêuticas aqui em Blumenau (Coord_Saúde_do_trabalhador_3).
Atitudes solidárias são observadas pelos entrevistados como uma tradição ligada ao contexto da enchente. Significa que nestas situações adversas alguns trabalhadores entram em contato com as vulnerabilidades e promovem ações de apoio que superam as expectativas de suas atribuições definidas pela função profissional. Operacionaliza-se na dedicação de horas extras de trabalho, no atendimento porta aberta à população solicitado pela gestão municipal, na colaboração entre trabalhadores que necessitam ser substituídos quando vítimas diretas da enchente, na limpeza das casas e distribuição de donativos, na escuta dos sofrimentos nos abrigos.
Nós levamos para alguns usuários a roupa do bazar, tentando suprir as necessidades. Éramos próximas ao SESC que fez também uma doação bem bacana de produtos de limpeza, fizeram doação de baldes e outros produtos…. tudo acontece muito na emoção mesmo, porque as pessoas agem naquele momento na solidariedade (ASS_PS_3).
DISCUSSÃO
As ações dos profissionais nas equipes entrevistadas representam as estratégias percebidas com as experiências de desastres na região e que caracterizam a gestão dos riscos e (re)organização frente aos impactos no ciclo dos desastres.
No presente estudo de caso uma ação de gestão no pós-desastre, dados os impactos psicossociais foi a contratação adicional, embora temporária, de psicólogos. Os serviços de saúde investiram na organização de equipes matriciais, acompanhamento estratégico e suporte na resposta das famílias e escolas em comunidades atingidas no desastre. O trabalho integrado dos profissionais de saúde mental nas equipes do sistema de resposta gera melhores resultados do que independente na emergência. A cooperação em equipe e o gerenciamento eficaz das ações fornecem estabilidade aos trabalhadores na crise e consequente apoio às vítimas14.
A gestão e redução de riscos e desastres no setor saúde envolve a preparação dos serviços e equipes, implementar abordagem preventiva junto à comunidade, o que reflete na resposta e na recuperação pós-desastre. Corroborando com os casos estudados, medidas necessárias são a melhoria das instalações de saúde para prestar resposta adequada e mínimo período de interrupção na prestação de serviços à comunidade que busca apoio essencial durante a crise14. O colapso do sistema de saúde em condições extremas reflete a relação direta entre a falta de gerenciamento de plano para desastres, de incumbência governamental, e a gravidade dos seus impactos, evidenciando a importância do desenvolvimento de estratégias alternativas para uma resposta resiliente que oriente os trabalhadores e gestores atuantes na linha de frente15.
A cultura dos desastres é percebida a partir das mudanças enfrentadas com os eventos que motivaram o desenvolvimento de planos, estratégias e recursos que fornecessem mais informação e capacidade de resposta. Nos casos estudados, ao melhorar a capacidade de preparação para as instalações, a oferta dos serviços e o processo de trabalho das equipes durante os eventos (exemplo, as equipes volantes, o acolhimento de porta aberta, resgate de mapeamentos dos usuários em acompanhamento psicossocial), significaram avanço na gestão em desastre, ainda que haja desconhecimento sobre a manutenção, atualização dos planos de atuação. Na literatura16 identificou-se a pertinência das ações que envolvem trabalhadores e voluntários em desastres, a formulação de planos de trabalho documentados, acessíveis, clareza nas tarefas, orientações e requisitos, principalmente quando há adaptações de ambientes de trabalho. Há similaridade sobre a incapacidade dos sistemas de saúde manterem os serviços ativos, quando as inundações ocorrem frequentemente. Dado o aumento de demandas das notificações de doenças, de casos de violência e abusos, as dificuldades de acesso assistencial e das vias de transporte, convergem à insuficiência de equipes capacitadas, com escassez de suprimentos básicos e de medicamentos na manutenção dos cuidados em resposta à emergência17.
A solidariedade é atitude que representa a cultura comunitária de recuperação pós-desastre, através de ações de voluntariado e de mutirão para restabelecer o funcionamento e prover a limpeza dos estabelecimentos de saúde atingidos. Catástrofes produzem um efeito convergente de despertar aos sobreviventes, mobilizando comportamentos de ajuda mútua, atos de altruísmo e elevado sentido de solidariedade uns com os outros. Neste sentido, estes comportamentos sociais de compaixão na catástrofe podem ser percebidos como positivos e consistentes para o atendimento das necessidades imediatas. A extensão do caráter da compaixão da catástrofe é a organização dos grupos comunitários, formando associações, onde se reconhecem e unem projetos para recuperar e movimentos representativos para requerer outras questões e direitos ligados à gestão dos riscos e desastres18.
Na preparação dos recursos humanos e logísticos em desastres, a disseminação de informações e o fornecimento dos materiais de apoio aos trabalhadores, tanto às condições cotidianas, quanto aos equipamentos que, devem ser previstos, especialmente porque podem se tornar insuficientes na crise19. No contexto do desastre há diversos riscos de saúde às equipes de atuação na resposta e recuperação, desde lesões autolimitadas, pequenos cortes e feridas, contaminações para doenças infecciosas, agravo de condições crônicas pré-existentes, traumas psicológicos, até condições acidentais mais graves e de risco de morte20.
Uma fragilidade para a resiliência em desastres é a descontinuidade nas ações estratégicas que envolvem capacitações, simulações preparatórias, planos integrados para abordagem psicossocial na crise. Perceberam os trabalhadores das equipes de saúde do estudo, que a capacitação multiprofissional para enfrentamento em desastres colabora para a identificação das habilidades, papéis e responsabilidades profissionais nas situações de crise, promove a confiança mútua, implica assistência comunitária, comunicação interprofissional na saúde e intersetorial, fornece suporte psicossocial com práticas sintonizadas às necessidades culturais da comunidade. A literatura corrobora que a educação sistemática e o desenvolvimento de estratégias intencionais de capacitação podem ajudar os trabalhadores a reconhecerem suas fragilidades em situações difíceis e a se prepararem para medidas adequadas quando em atuação20. A aplicabilidade adequada das técnicas e abordagem interventiva para uma educação psicossocial no enfrentamento antes, durante e após o desastre, considera o conhecimento dos profissionais em nível de comunidade, os fatores de proteção e de risco para uma situação de estresse21.
CONCLUSÃO
A pesquisa mostrou a percepção sobre as experiências e a complexidade existente na gestão de riscos e desastres, em contextos cujos eventos (por inundação, especificamente) são frequentes. No pós-desastre dos casos estudados, equipes de saúde e gestores reconhecem as dificuldades enfrentadas para a atuação em processo de trabalho adaptado, porém pouco planejado. Os efeitos psicossociais não incidem somente sobre os usuários dos serviços de saúde, mas aos trabalhadores que inclusive são afetados e mobilizados para o trabalho de recuperação, predominantemente pela cultura de solidariedade.
A operacionalização de iniciativas, embora não sistemáticas e descontínuas, à capacitação dos serviços de saúde foi considerada mecanismo eficiente para uma cultura resiliente de gestão de riscos e desastres. A literatura atual reforça a persistência de tal problemática em diversos países e sistemas de saúde afetados constantemente, convocando a pesquisas e inovações com impacto na formação profissional e na sustentabilidade de políticas governamentais adequadas às necessidades de tais populações.
Fonte: https://www.scielo.br/j/tce/a/zrkS7WtwwHbtwVBCCrf3g3S/?lang=pt